CANHOTICES

...em Torres Novas, Ribatejo, Portugal. Do lado esquerdo da vida.

23.12.07

Natal - Manuel da Fonseca

Publicada por zemanel |

Manuel da Fonseca

NATAL

Era quase meia-noite e o homem estava ainda sentado ao balcão, a beber brande. As mesas estavam vazias e cada vez entrava menos gente. Demoravam-se apenas quanto bastasse para comprarem bolos, vinhos e caixas de cho­colates, vistosas nas suas bonitas embalagens. Era dia de festa.No entanto, no pouco tempo que os clientes por lá per­maneciam, o homem que estava a beber brande ao balcão, ao vê-los e ao ouvi-los sentia a presença de um calor hu­mano e, por instantes, era como se também fosse sair dali com eles para uma festa.Agora espaçava-se mais a entrada dos compradores de alegrias. De bolos-rei já não restava nem um. Até que entrou aquela mulher ainda nova e comprou duas sandes, com o ar desatento de quem não repara em nada do que se passa à sua volta.O homem que bebia brande ao balcão pressentiu na­quela mulher uma companhia para os que, como ele, não tinham festa onde ir nessa noite. Ainda pensou oferecer-lhe uma das coloridas caixas de chocolates que ornavam a montra. Mas quanto custa uma caixa de chocolates, quan­to custa, sem alegria, em bolos e vinhos, uma festa?Viu-a sair com o mesmo ar desamparado com que en­trara. Afinal, uma festa, pensou o homem, é apenas uma marca num dos dias do calendário, e nem sempre essa mar­ca vale para todos.Agora, o café estava vazio. Os empregados bocejavam, desejosos de se irem embora, e olhavam para o homem que bebia brande ao balcão com uma atitude de vincada cen­sura, como se ele tivesse culpa de ainda continuarem ali.O homem sentiu que era completa a solidão que o cer­cava. Pagou e saiu.A cidade pareceu-lhe subitamente deserta. Sozinho no mundo, pensou o homem. O frio trespassou-o. Sem saber para onde ir, meteu as mãos nos bolsos, curvou-se um pou­co contra o vento. E desapareceu no escuro, lá ao fundo da rua.

Manuel da Fonseca

2 canhotices:

Anónimo disse...

Falar de Manuel da Fonseca, vem-nos à memória "seara de vento" a presidência da Sociedade de Autores, Luandino Vieira e aquí uma vez mais a famigerada PIDE, a exercer a sua violência sobre um Comunista
Como bom alentejano ainda nos brindou com a sua veia poética, será que,algum Ministro da cultura vai lembrar MANUEL DA FONSECA????
josé Manangão

GR disse...

Manuel da Fonseca um escritor cheio de sensibilidade!
Uma bela prenda de natal.

GR

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