Da autoria de PEDRO BARROSO ( o cantor daqui, de Riachos, Torres Novas), no blog SORUMBÁTICO.
http://sorumbatico.blogspot.com/Crónica de um Natal impossível
Por Pedro Barroso
HOJE NÃO ME APETECE Natal.Não acredito na bondade por decreto.Não me deslumbro com as luzes e os sinos tocando aleluias de alegria.Acho tudo isso uma treta de consumo. E, num país sem dinheiro, nem o consumo pode circular no excesso destemperado da saison.Porque não havendo um, não pode existir o outro.
HOJE NÃO ME APETECE Natal.Não acredito na bondade por decreto.Não me deslumbro com as luzes e os sinos tocando aleluias de alegria.Acho tudo isso uma treta de consumo. E, num país sem dinheiro, nem o consumo pode circular no excesso destemperado da saison.Porque não havendo um, não pode existir o outro.
E o povo, sem poder de compra, assiste ao sonho compensatório e impraticável de quebrar fronteiras em Schengens distantes.E compra castanhas assadas em discutido embrulhamento, nas tais controversas folhas da lista amarela, como tradição.
É pouca e controlada felicidade. Farinhenta vida, a do adorador de sonhos.Fraca alegria para a capital da Europa, ao que parece, supostamente passando por aqui. Tratados de Lisboa. Êxitos imensos. Glória in excelsis.Pois.
É pena.
Porque só não temos é dinheiro para cantar.
Este é, seguramente, dos Natais mais pobres de sempre dos últimos anos para o Povo português. Com salários a diminuírem, pensões insignificantes, ajuda nos medicamentos a baixar, prestações das casas a subir desenfreadamente todos os meses, desemprego alarmante.E contudo estamos de parabéns. Brilhantes acordos Europeus. Bravo.
Podemos circular de Tallin a Lisboa, sem parar em nenhuma fronteira. Schengen alargou. Quase deixou de ser necessário o velho passaporte.
Meu querido companheiro de viagem, meu cúmplice de fugas e secretos desvios de percurso, meu medidor de mim, numa juventude que foi – a medo, mas foi – viajante e transgressiva.Hoje podemos celebrar Natais – para quem neles acredite – com Pais do dito cujo vindos directamente da Noruega sem passaporte. Renas incluídas, se estiverem vacinadas, supõe-se. ASAE oblige.
Um escândalo.Não me vejo aqui. Amigos, acreditem: - não sei onde pertenço.O facto é que, contudo, também não me vejo em mais parte alguma.
Com efeito, a praia tropical, sinceramente - que alguns amigos praticam como fuga compulsiva a uma época de convívio familiar por obrigação - também não me seduz por aí além.Dezembro é bonito com neve e frio. Com lareira e aconchego.
Sou europeu daqui, deste lado do tempo e do mar. Desta gente marinheira e montanheira. Deste cheiro a sardinha assada no Verão. Dos cavalos lusitanos. Do bacalhau com grão. Da paixão de Florbela e da angústia existencial de Vergilio. O Ferreira, claro, meu querido professor.
Queime-se, pois, a cavaca e o chambaril. Demos as mãos na noite de angústia e saboreemos a nossa pequenez contente.
Misturemos leite e farinha e façamos os coscorões da ilusão. Cortemos no açúcar, que está caro.
E troquemos de pequenas prendas com um sorriso quase conformado.E disfarcemos a tristeza.Eu não devia escrever isto.
Porque é suposto estar alegre.Mas andam-me a roubar, aos poucos, um outro País maior. Onde foi palavra, e gesto, e esperança e teve significado o verbo acreditar.
Como sobreviver, pois, ao Natal de Sócrates, após estes anos de deslize em perda do poder de compra, sob o mais hipócrita sorriso de alegrias marginais de foro europeu, que nos aportam nada?Que me interessa que me ofereçam viagem sem fronteiras até à Estónia, se o povo tem de contar os tostões para ir visitar a velhota que está lá, no frio, afinal aqui tão perto?
Numa lareira acesa, sozinha, algures, numa qualquer casa perdida, lá para a Guarda, Arganil, Bragança, Mértola, Mação, Melgaço?E quantas vezes é um telefonema meigamente mentiroso que vai ter de disfarçar a mágoa secreta da impotência?
Ah! Meu velho passaporte de partir!... Vou passar a consoada dos outros, ricos e pobres, contigo no meu peito.Leva-me longe daqui e que eu não volte.Ou volte sempre, que o meu viajar é eterno em tuas mãos.
E eu amo-te tanto como a vida que não tenho, o sonho inacabado do Império adiado e adormecido de coisas superiores que habita em mim.E dá-me os longes todos que encontrares, que eu vou gostar.E não preciso de aviões, nem renas, nem Schengens abertos para circular no sonho. Nem no Mundo.Mas noutro. Feito de homens melhores, e duma total e absoluta felicidade.Que este fede.
E assim não há poema.Quanto mais Natal.
4 canhotices:
Bom texto. Mas tu escreves também muito bem!
O povo está desanimado, o poeta melancólico, Portugal está novamente agrilhoado!
Este ano não há natal. Muito menos ano novo!
Há fome, miséria e tristeza! Não foi a neve que cobriu o país de negro!
Resta-nos emigrar, morrer ou lutar!
A Luta é o Caminho!
Jesus!... o que para aí vai de desânimo, desalento, desencanto, desesperança!...
O natal será o que é enquanto existir a exploração do homem pelo homem - pelo que, acabar com ela é construir o Natal: sem desânimo, sem desalento, sem desencanto, sem desesperança: antes com ânimo, alento, encanto e esperança. Porque a verdade é esta: VENCEREMOS!
Numa das suas histórias Luis Sepúlveda diz assim sobre o natal" Detesto o Natal, os pinheiros com luzinhas, os paspalhões vestidos de vermelho e o fervor hipócrita de bondade que cobre os semblantes de todos os canalhas".
Por mim penso que todos os canalhas se aproveitam do Natal para branquearem as suas consciências, promovendo aquela caridadezinha repugnante e os aproveitamentos que à volta dela se fazem.
Falar assim sobre o Natal, não é desânimo, é luta!
Nós não precisamos de caridade,o que precisamos é de salários e pensões de reforma justos e regalias sociais dignas, todos os dias do ano.
Estou do lado de todos que todos os anos erguem a sua voz,criticando esta festa de interesses,fabricada com a intenção de fazer esquecer a verdadeira FESTA da amizade solidariedade e igualdade, da PAZ.
josé Manangão
Aprendi a gostar do Pedro Barroso em miúda.Fiquei apaixonada pela voz que dizia que "para mim, não há mulheres feias". Sempre achei que ele escreve como ninguém e continuo a gostar tanto de o ouvir... Este texto não é desânimo ou desalento ou desesperança ou desencanto ou vontade de baixar os braços! É de desilusão, de mágoa, de constatação, de revolta, de tristeza e saudade de um tempo em que se sonhava, mas também de resistência, de teimosia, de vontade de lutar e não se acomodar. Também acredito que VENCEREMOS.
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