CANHOTICES

...em Torres Novas, Ribatejo, Portugal. Do lado esquerdo da vida.

5.4.06

...porque é Abril 2

Publicada por zemanel |


António Dias Lourenço
“(…)Mais adiante, um automóvel incidiu sobre ele os focos coruscantes. Abel ficou encadeado. “Seria a Polícia? Estaria agora metido num cerco?” Não reparara ainda que a noite descera sobre a cidade e que milhares de luzes se acenderam. Só lhe importava libertar-se daquelas sombras movediças que o seguiam por toda a parte; daqueles olhos desconfiados que o miravam de alto a baixo e lhe punham securas de enforcado na garganta. E a Cidade longa, longa, que parecia não ter fim! E nem uma porta aberta para si! Ah! Que se pudesse arrastar-se para um canto escuro onde esconder-se!...
Percorreu ainda umas ruas mal iluminadas e quase desertas. De repente, perdeu o pé e apercebeu-se que rolava no chão irregular. Firmou-se e olhou em volta. A baça claridade de muitas lâmpadas, ao longe, permitiu-lhe distinguir os contornos do Vale Escuro, mergulhado na sombra e no silêncio. Ficou assim algum tempo de ouvido alerta. A angústia foi-se-lhe esvanecendo aos poucos. Os pés, nem os sentia! Pior, era uma dor muito fina que lhe picava o estômago. “Há quantas horas tinha comido?”
Aconchegou ao pescoço a gola do casaco; a mala serviu-lhe de travesseiro. “Ora que lhe importava a fome? Entregaria os jornais na hora do recurso; levava ao fim a sua tarefa. E um dia…uma certa manhã de sol radioso…sim, de Sol…Ah!”
Novembro 1948”

Excerto do Conto de Soeiro Pereira Gomes REFÚGIO PERDIDO, “dedicado ao camarada João que inspirou este conto.”- integrado na série CONTOS VERMELHOS que Soeiro dedicou “aos meus companheiros que, na noite fascista ateiam clarões duma alvorada.

Nota: o camarada João era o pseudónimo usado na clandestinidade por DIAS LOURENÇO

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