CANHOTICES

...em Torres Novas, Ribatejo, Portugal. Do lado esquerdo da vida.

Publicada por zemanel |

Intelectuais apolíticos
por Otto Rene Castillo [*]

Um dia,

os intelectuais

apolíticos

do meu país

serão interrogados

pelo homem

simples

do nosso povo

Serão perguntados

sobre o que fizeram

quando

a pátria se apagava

lentamente, como uma fogueira frágil,

pequena e só.

Não serão interrogados

sobre os seus trajes,

nem acerca das suas longas

siestas

após o almoço,

tão pouco sobre os seus estéreis

combates com o nada,

nem sobre sua ontológica

maneira

de chegar às moedas.

Ninguém os interrogará

acerca da mitologia grega,

nem sobre o asco que sentiram de si,

quando alguém, no seu fundo,

dispunha-se a morrer covardemente.

Ninguém lhes perguntará

sobre suas justificações absurdas,

crescidas à sombra de uma mentira rotunda.

Nesse dia virão os homens simples.

Os que nunca couberam nos livros

e versos dos intelectuais apolíticos,

mas que vinham todos os dias

trazer-lhes o leite e o pão,

os ovos e as tortilhas,

os que costuravam a roupa,

os que manejavam os carros,

cuidavam dos seus cães e jardins,

e para eles trabalhavam, e perguntarão,

"Que fizestes quando os pobres

sofriam e neles se queimava,

gravemente, a ternura e a vida?"

Intelectuais apolíticos

do meu doce país,

nada podereis responder.

Um abutre de silêncio vos devorará as entranhas.

Vos roerá a alma vossa própria miséria.

E calareis, envergonhados de vós próprios.

[*] Revolucionário guatemalteco (1936-1967), guerrilheiro e poeta. A seguir ao golpe de 1954 patrocinado pela CIA, que derrubou o governo democrático de Jacobo Arbenz , Castillo teve de exilar-se em El Salvador. Voltou à Guatemala em 1964, onde militou no Partido dos Trabalhadores, fundou o Teatro Experimental e escreveu numerosos poemas. No mesmo ano foi preso mas conseguiu fugir. Regressou ao exílio, desta vez na Europa. Posteriormente retornou secretamente à Guatemala e incorporou-se a um dos movimentos guerrilheiros que operavam nas montanhas de Zacapa. Em 1967, Castillo e outros combatentes revolucionários foram capturados. Ele, juntamente com camaradas seus e camponeses locais, foram brutalmente torturados e a seguir queimados vivos. Este poema encontra-se em http://resistir.info/ .

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