“Da parte dos fascistas e neofascistas, a ilegalização e repressão violenta do PCP era, não apenas um desejo mas um objectivo que pretendiam fosse alcançado no imediato. Soares e o PS tinham representado um papel importante na acção política preparatória do 25 de Novembro. Mas o golpe do 25 de Novembro não foi o que projectaram. Nenhum dos seus três objectivos centrais imediatos se concretizou. Nem a liquidação da dinâmica revolucionária e das suas conquistas. Nem o esmagamento militar do PCP, do movimento operário e da esquerda militar, nem, como resultado do golpe, ser Soares o vencedor, aquele que teria salvado a democracia de um golpe e de uma ditadura comunista e que por isso assumiria naturalmente de imediato, no poder do Estado, as responsabilidades daí decorrentes. Tal operação foi tentada mas falhou."
(Álvaro Cunhal in A verdade e a mentira na Revolução de Abril)
6 canhotices:
Caro Zé Manel,
Este seu post é terrível. Mostra uma coisa: a frágil análise de Cunhal. Contrariamente ao que diz Cunhal, dois dos objectivos foram totalmente conseguidos. E o terceiro nunca foi um objectivo. A dinâmica revolucionária morreu no 25 de Novembro. Não se percebia que estava morta, mas estava. Era só uma questão de deixar passar os dias. Quem é hoje a grande imagem, não vamos discutir se com mérito ou com falta dele, de pai da pátria e salvador da democracia? Mário Soares. O terceiro objectivo, ele nunca existiu. Penso que nunca as pessoas que planearam e executaram o 25 de Novembro quiseram esmagar militarmente o PCP, o movimento operário e a esquerda militar. Apenas quiseram pôr a esquerda militar fora dos quartéis, conter o PCP e a extrema-esquerda (Cunhal por razões óbvias não a refere, mas ela ameaçou muito o PCP e empurrou-o para situações que ele não estaria interessado) e conter o movimento operário dentro das bases de um regime democrático-representativo. Conseguiram-no plenamente. Soares, Sá Carneiro, F. Amaral, Eanes, Melo Antunes, Vasco Lourenço, Salgueiro Maia, tudo homens do 25 de Novembro ou que o apoiaram politicamente, não estavam interessados em liquidar o PCP. Uns por não serem anti-comunistas, outros por serem estrategicamente inteligentes percebiam que ilegalizar o PCP era criar um problema e não resolver nada. E ninguém cria uma guerra civil. Em 1975 só tinham passado 36 anos do fim da guerra civil espanhola, e todas a gente sabia o quanto aquela fora cruel. Toda a gente, em todos os quadrantes políticos, tinha medo do que sucederia se as partes começassem aos tiros.
O tempo é terrível e Cunhal não era historiador, mas político. Por isso, a sua análise é completamente enviesada.
Abraço,
JCM
Oooops, escrevi «E ninguém cria uma guerra civil.» e queria escrever «E ninguém queria uma guerra civil.» É maldita homofonia...
Caro JCM
Agradeço o comentário.
Discutir a História num parágrafo ou dois é uma tarefa impossível, pelo que darei a resposta em melhor oportunidade. Refiro apenas alguns pontos do seu comentário.
1. Cunhal não faz aqui uma análise de Historiador - nem seria essa a sua intenção. O seu discurso é politicamente assumido.
2. Relevo a sua afirmação de que ninguém queria a Guerra Civil. Ora isso inclui obviamente o PCP, não?
3 . Quanto ao movimento militar de 25 de Novembro chamo-lhe a atenção para o livro recentemente editado por do insuspeito SOUSA E CASTRO em que descreve o papel e revela os desejos em 26 de Novembro como Jaime Neves e outros e outros que tinham um outro objectivo final, consubstanciado na derrota do 25 de Abril.
Relativamente à guerra civil, penso que talvez alguns sectores mais hormonados, digamos assim, da extrema-direita a quisessem, mas mesmo esses acho que não passava de retórica. Na extrema-esquerda, para além da retórica da revolução, acho que também ninguém estava interessado no assunto. Desde as Guerras Liberais que não temos uma guerra civil, tanto quanto me lembro, e ninguém parece ter saudades da coisa, o que mostra que somos ainda saudáveis.
É provável que certos sectores militares estivessem com certa vontade de pôr a mão na massa, como se costuma dizer, no 25 de Novembro. Mas o grosso das hostes e a totalidade da direcção queria aquilo que efectivamente se passou. Quebrar os ímpetos revolucionário e instituir uma democracia representativa.
Em 25 de Novembro, um golpe de extrema-direita já não servia para nada. O fundamental tinha acontecido, a descolonização. Mas mesmo antes dela se efectuar, o prolongamento da guerra era uma miragem sem sentido.
Abraço,
JCM
O essencial do 25N ficou por cumprir.
O 25 N foi preparado meticulosamente ao longo do verão. A norte do Tejo, O ataque sistemático às sedes do PCP e do MDP, e também da UDP,colocando em perigo constante as vidas, os bens, viaturas, documentos visavam criar uma onda popular anti-comunista que conduzisse à sua extinção. Estas acções realizadas numa aliança que envolvia a hierarquia católica, o bombismo spinolista do MDLP e alguns partidos democratas deveria ter desembocado na ilegalização do PCP e de outras forças de extrema esquerda a 26 de Novembro, tendo em vista a reposição da ordem pública - possivelmente com próprio regresso de Spínola ao poder.
As colónias estavam perdidas, salvar-se-ia o resto...No entanto o 25N não logrou atingir o objectivo final. Nesse sentido, obviamente o 25 de Novembro constitui uma derrota.
Caro Zé Manel,
Há algumas leituras que não me parecem concordantes com os factos. Por exemplo, sobre a hierarquia da Igreja. António Ribeiro foi sempre muito moderado e é um dos homens que sustém os ímpetos mais saudosistas de certas áreas da Igreja. Acho que ele é mesmo um dos grandes pais da democracia, pelo comportamente discreto durante os tempos quentes, onde a Igreja também foi maltratada, p. ex. no caso da RR. Aliás, Igreja essa que em matéria social se tem vindo a deslocar sistematicamente para a esquerda, tendência que nasce precisamente sob a asa do Cardeal Ribeiro, embora isso também se passe com o Vaticano, e portanto seja um fenómeno não nacional.
Por outro lado, a ideia de ilegalização do PCP e de outras organizações, mas fundamentalmente do PCP, não me parece consentânea com a realidade. No PS, no PPD (que tentou aderir à internacional socialista, no que foi barrado por Soares) e no CDS despontava já a ideia de uma adesão à CEE. Coisa difícil com partidos do espectro político europeu (na altura os PC europeus tinham muita força na Europa)ilegalizados. Houve, claro, alianças conjunturais. Houve gente que fez o trabalho sujo, mas quando chegou a hora, tudo isso foi posto de lado. O spinolismo mais espúrio foi descartado, o mais civilizado ficou por conta de Soares. Não é possível olhar para o 25 de Novembro como uma derrota de Soares, Eanes, Sá Carneiro, Vasco Lourenço, Melo Antunes, ou até Costa Gomes, cujo papel está muito longe de estar completamente esclarecido, etc.
O 25 de Novembro foi uma derrota inapelável do PCP, da UDP e de outras organizações do género. E quem viveu isso, percebe claramente que foi assim. Tudo começou a mudar naquelas horas. O sentido da revolução tinha ficado decidido, ele que até aí estava indecidido, pelo menos na aparência. Embora, eu ache que no contexto internacional de então nunca passou pela cabeça dos soviéticos, por exemplo, fazer de Portugal um regime irmão, ou mesmo apoiar seriamente essa tentativa. Eram demasiados sarilhos para frutos tão magros. A racionalidade política mandava outra coisa.
Abraço,
JCM
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