CANHOTICES

...em Torres Novas, Ribatejo, Portugal. Do lado esquerdo da vida.

8.3.08

A ver o mundo, de novo com uma bandeira na mão?

Publicada por zemanel |

Carreira Marques, informou ontem no seu blogue A VER O MUNDO que vai participar hoje na sua primeira manifestação.
No seu post, sempre refere que no PREC participou nalgumas coisitas, mas nunca uma verdadeira manifestação.
Uma confissão própria e natural de quem, no PREC, apoiou ( é publicamente conhecido) organizações de extrema esquerda que nunca tiveram em Torres Novas grande dimensão.
Mas a informação que Carreira Marques presta é reveladora do espírito que hoje vai estar presente na manisfestação: um espírito geral em toda a classe anti-ministra, que o governo não soube perceber e vê-se a braços com a maioria dos professores nas ruas. Como se fosse possível fazer uma reforma educativa nestes termos.
Mas esta manifestação revela mais: Ela não é só contra a avaliação ou esta avaliação. Esta manifestação é um grito de revolta de uma classe profissional que de há 30 anos para cá, entre reformas e contra-reformas, tem sido humilhada por especialistas em pedagogês e eduquês e agravando o estado geral da Educação no país.
Quanto ao post de Carreira Marques, terá sido a modéstia que o fez omitir uma importante manifestação histórica que houve em Torres Novas.
Não conheço pessoalmente, nem nunca falei com Carreira Marques. Mas posso certamente revelar aqui, que Carreira Marques participou na 1ª manifestação que houve em Torres Novas a seguir ao 25 de abril de 1974. Até um filme realizado há poucos anos de Antero Guerra Inácio sobre esses tempos, o revela: É José Carreira Marques, jovem, muito jovem, quem encabeça a manifestação e com a Bandeira Nacional nas suas mãos.
E se as suas ideias políticas, o afastaram de manifestações nos 30 anos seguintes, o facto de ter estado nessa manifestação que deve ter sido tão especial, é bem capaz, digo eu, de o ilibar dessa posterior apatia manifestante que veio a ter e de que discordo absolutamente.
Até hoje, claro.

7 canhotices:

Jorge Carreira Maia disse...

Algumas correcções. O meu nome não é Carreira Marques, acho que esse era o presidente da Câmara de Beja. Infelizmente, também não sou José. Podia ser, mas acho que os meus pais não estavam pelos ajustes. Como não quer a coisa, deram-me o nome de Jorge, assim mesmo, que quer dizer agricultor, em grego, o que faz de mim um exilado na cidade.

Já agora, por uma questão histórica, possa dar mais algumas informações. A minha experiência política é dupla. Primeiro, PCP, recrutado ainda antes do 25 de Abril, mas poucos dias antes, pelo Hilário, que chegou ao CC do PCP e foi deputado constituinte. Saí no Congresso de Setembro,por causa da magna questão da ditadura do proletariado e da sua supressão do programa do PCP. ERa jovem e idiota como todos os jovens. Era mais do que outros pois lia mais. Depois, fundei com outros a UDP local, da qual me afastei ainda nos anos 70, tendo descoberto que não tinha qualquer propensão para a coisa e tendo abolido qualquer pretensão política, embora goste de filosofia política, de observar e de comentar, mas sou um contemplativo, a acção diz-me pouco. A Filosofia estudada depois matou em mim qualquer interesse pelo activismo.

Manifestações em Torres Novas partcipei nas que houve nesses anos. Ontem brinquei. Aquela em que transportei a bandeira comunista, foi a primeira, talvez a 28 de Abril. Mas aquilo não eram manifestações, como se viam em Lisboa. O pessoal era muito cordato e civilizado. Participei em Torres Novas em mais duas ou três por altura do primeiro de Maio. No Entroncamento, participei numa dos SUV, agora me lembro, um pouco mais agressiva. Já não era bem um procissão, ou se fosse era mais daquele tipo de procissões islâmicas. E, agora que a memória me retorna, participei num manifestação-boicote a um comício do CDS, com o pessoal da UDP da zona e os LUAR's e PRP's de Árgea. Uma coisa lamentável e antidemocrática.

Cumprimentos,
JCM - Jorge Carreira Maia

zemanel disse...

Jorge Carreira Maia
gaffe, gaffe grave esta do nome - como pedir desculpa cuja identificação se erra...Asneira minha e da grossa. GROSSEIRA.
Quanto à manif de Abril de 74, acredite que estou a ser sincero- ´por muita prazenteira e pacífica que a manif fosse, essa foi a primeira manif livre em Torres Novas e, A História, sim a História tem nomes e gente lá dentro. (Não tenho essa leitura ortodoxa marxista da História- em que o Mundo avança inexoravelmente como um sopro determinado7determinista...)
Já agora, achei curiosa a sua referência a Hilário Teixeira - que seria Constituinte.
Não conheço o Hilário Teixeira, mas concordará comigo que falta fazer a homenagem devida aos Constituintes de Torres Novas: Hilário Teixeira, António Canelas e Pedro Natal da Luz.
Renovados pedidos de desculpa...

zemanel disse...

Já agora:
Sao essas coisas "lamentáveis e antidemocráticas" que fazem a História daquilo que somos hoje. Torres Novas teve actividade política no PREC, que não está contada. Desafiam-se protagonistas como JCM, a ganharem coragem de JCM e virem a lume com estes pequenos (nada pequenos) episódios - têm muito mais importância do que aquilo que aparentam.
Não para sabermos nomes nem para sabermos onde as pessoas se posicionavam ( embora possam revelar-se algumas supresas)- mas para percebermos que das histórias de pessoas se constrói uma história que corre o risco de ficar esquecida.

Jorge Carreira Maia disse...

Já agora há toda uma história local de resistência à ditadura de gente nova. Não estou a falar da outra. Gente que através das organizações católicas, como a JOC, e da oposição política, nomeadamente do PC, estiveram particularmente activos a partir de 1973. Começamos a envelhecer todos. Uns ficaram pela política, outros, como eu, abandonaram-na. Penso que os principais dirigentes juvenis da época, o Hilário e o Moura, abandonaram essas actividades, mas não tenho a certeza. A geração de dirigentes do PC local (não sei se são dirigentes, mas os vereadores) já é posterior. Por exemplo, o João Pereira e o Carlos Tomé, aliás membro do núcleo UDP de Riachos. Aliás Riachos tinha um grupo razoável e que de certa maneira está ou esteve ligado ao jornal Riachense e explica certos resultados do BE.

A UDP do meu tempo nunca teve a expressão que hoje tem o BE, nem a «credibilidade», mas chegou a ter votações relativamente interessantes e a votação em Otelo foi significativa. Hoje, do ponto de vista sociológico, é mais fácil ao BE perfurar no tecido social local do que a UDP naqueles anos. Houve, em Torres Novas, um crescimento dos serviços e de gente com instrução. Naquele tempo, a cidade era muito operária, onde o radicalismo intelectual UDP não tinha grande sentido, embora também neste campo houvesse militantes vindos das fábricas e dos escritórios locais. A partir de 77, altura que fui para o serviço militar, comecei a afastar-me da vida política, a qual, enquanto participação numa qualquer elite política (entendida a expressão no sentido da ciência política) não me interessa.

Só mais uma nota sobre essa primeira manifestação. Não me lembro de ter levado a bandeira nacional. De certeza, transportei uma bandeira comunista (o meu pai ia-lhe dando uma apoplexia, embora ele nunca tivesse tido qualquer simpatia pelo regime. Eu tinha 17 anos). Mas aquilo era mais uma procissão. Havia muita gente, havia uma grande pureza de intenções, havia muita ingenuidade. Havia ainda por cima cartazes da JOC e da Acção Católica, tanto quanto me lembro. Como disse o Chico Buarque: "foi bonita a festa, pá!" Depois veio a vida, e a vida é impiedosa e inexorável.

Cumprimentos,
JCM

Jorge Carreira Maia disse...

Sobre a história da manifestação de boicote ao comício do CDS no cine-teatro de S. João, no Entroncamento, lembro perfeitamente que aquilo foi uma arruaça. Aconteceu isto por todo o país. O CDS sofreu, mas também os partidos de esquerda sofreram. Ninguém tem razões para sorrir. O que recordo da história do Entroncamento?

Recordo uma divisão entre manifestantes esquerdizóides e «comiciantes» do CDS feita pelos militares. A divisória era uma linha de militares um pouco permeável. Julgo que o dr. Martins Canaverde (um grande benfiquista e homem do CDS) foi atingido por uma pedra e estava a sangrar, mas isto pode ser já imaginação, julgo que não. Não me apercebi de onde tinha partido esse gesto, embora possa afirmar que não foi de ninguém da UDP de Torres Novas.

Éramos todos cordatos e a radicalidade não chegava a tanto. Aliás, há uma história deliciosa que lhe conto. Naqueles tempos, ocuparam-se muitas casas país fora. Formou-se o núcleo UDP local e foi preciso arranjar uma sede. A sede era num prédio velhíssimo na rua das antigas instalações da tipografia Conde Marques. Essa casa estava abandonada. É evidente que ninguém ocupou nada. Falou-se com o senhorio que alugou a casa, se calhar com medo da ocupação e com pouca esperança de ver a renda. Pagou-se sempre os 300 escudos acordados a tempo e horas. Depois, afastei-me e só sei que o prédio foi deitado abaixo e construído outro no seu lugar.

Cumprimentos,
JCM

Jorge Carreira Maia disse...

Zé Manel, peço desculpa por estar a abusar desta caixa de comentários. Mas há pouco passou-me uma coisa que queria escrever. Diz, o Zé Manel, que a manifestação de Abril de 74 foi a primeira livre em Torres Novas.

Julgo que a afirmação é problemática. É possível que tenha ocorrido manifestações livres na vila durante a 1.ª República, talvez mesmo durante a Monarquia Constitucional. Não sei nada sobre o assunto, mas, pelo menos durante a República, o caso não seria extraordinário.

Cumprimentos,
JCM

zemanel disse...

JCM,
quanto ao alegado abuso, apenas tenho a agradecer a gentileza de enriquecer o CANHOTICES.
De facto quando me referia à primeira manifestação , estava a falar do pós 1974.
Da primeira república há relatos e fotografias de movimentações operárias. Um destes dias pegarei neste tema no Canhotices,
Cumprimentos,

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